terça-feira, 7 de outubro de 2008

Remorso


Conta-se que nas profundezas de um monte rochoso, situado no meio da cidade grande, havia um homem.
Este, de horrenda aparência, assustava a todos que ousavam adentrar sua prisão. Os vindos de lá relatam-no com um ser bípede deformado, algo outrora parecido com humano.
Nas mãos haviam cascos curtos e encravados e seus pêlos capilares tapavam-no parcialmente, o bastante para ocultar a face. O que mais chamava atenção é que em seu pé esquerdo, uma corrente o mantinha preso à parede da montanha, obrigando-o a uma vida solitária, imersa em pânico e horror, convertidos pelo tempo em aceitação.
Durante a primavera, onde até mesmo a mais turbulenta metrópole é invadida por flores, nasceu nas inóspitas trevas, uma Rosa Branca.
Inacreditável foi ao famigerado vê-la. "Por que lá, se haviam tantos belos jardins nos arredores?"- perguntou. Logo, a desconfiança transformou-se em lirismo,
O perfume daquele corpo, suas pétalas macias, a beleza de sua forma... Em contrapartida, ele nada podia oferecer, além da horripilante aparência, que por sua vez não parecia incomoda-la.
" De repente eu posso levar a bela flor ao sol, onde permaneceremos juntos!" - pensou e amargurou ao ser vetado pelos grilhões.
" Maldita condição miserável!" - foi o urro ouvido nas proximidades. Este, então desesperado, passou dias e noites com pedras nas mãos, chocando-as contra as correntes. A conclusão foi uma só: nada o livraria de sua sina.
Assistindo a tudo, a criatura rósea permaneceu, uma gota de orvalho percorreu sua coroa alva e rebentou-se no chão estéril.
O Diabo, de olhos fechados, arrancou-a pela raiz, jogando-a em direção a saída. No processo a singela viu-se destruída e morta, mas mesmo assim, ainda capaz de embelezar algo que, de fato, valesse a pena.
O delicioso perfume já não mais existia. E o homem jamais esqueceu a imagem da Rosa triste sendo arrastada pelo vento.
RF

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Temperança


Raramente há algum alento no mundo subterrâneo do esgoto 616. A Vespa, já sabedora da sina, nem imcomoda-se com os fedores provindo dos compatriotas, mas sim com o próprio.
Lastimável espírito sombrio e degenerado, escondido é sob uma casca de refinação e idiotice. De que lhe adianta olhos perspicáveis, se o que vê é distorcido por sua arrogância? De que lhe adianta o poder de raciocínio, se o discernimento revela sua alma invejosa, imersa em um reino escroto?
A moral, tão orgulhosamente conquistada, é uma terrível companhia. Conselheira mordaz, avisa-lhe a cada instante: "Eu tenho nojo de você".
E assim, navegando nas camadas periféricas de seu cérebro embebido em culpa, segue...
Lugar inóspito para a virtude. Correntes geladas de vento sopram por aqui.
Um punhal cravejado em seu corpo, surge a cada segundo. A Filosofia não serve de fuga. Estagnada, a morada medonha sepulta os supérflos pensamentos. E a sobrevida continua...
RF

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Democracia das Larvas


Intrigante é, a comunidade das larvas que habita as estranhas da Ratazana, no subsolo úmido das ruas norte.
Sua morada orgânica, imersa em pêlos negros e víceras mortas, é palco de espetáculos mais repugnantes do que a própria existência.
A cada período de tempo, é incumbido a todos à escolha que determinará seu novo mestre. Este, carregado de luxos e regalias, é cortejado pelos idiotas rastejantes que vivem para servi-lo, apesar da teoria paradoxa.
Ainda mais nauseante é o período que antecede a decisão, a brancura larvaminosa quase compara-se a beleza de suas palavras e expressões. No discurso ali vomitado, há promessas de carne, barro alimentar quente e preservação do recinto, vítima da violência interna.
O mais estranho é que depois do status ganho, o pútreo abusa de suas mordomias e esquece a caótica comunidade a que jurou servir.
Pobres Larvas acéfalas e de memória curta. Fadadas são à ruína de suas escolhas vãs. Dia após dia, corpo após corpo, lá estão: nas galerias do esgoto, esquina das ruas norte.
RF

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Ode à Mulher


Renego o sentimento fútil do amor, resultante da vaidade a qual estão imersas.
Renego o namoro antes da amizade, as peças de roupas estilo "panos-faltosos" e a nudez como seu artigo principal.
Renego essa legião de manequins errantes de assuntos prontos e batidos.
Renego a trivialização da palavra, sufocada em meio a maquiagens e batons.
Renego a política nogenta, que distorce a magnânima variação do gênero, levando a massificação a seres, outrora, humanos.
RF

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Prelúdio


Antigos contos árabes relatam estórias de covis escondidos sob a areia. Nesses lugares havia sabedoria e conhecimento de gerações de magos outrora existentes. Muitos dariam sua vida para estar em um lugar desses, outros a dariam para não estar. Consideremos o ESGOTO 616 assim.

" A frente vocês vem uma caverna entre as dunas, que aparentemente pode salva-los da tempestade de areia que está por vir. O lugar conforme vai sendo explorado, se revela lúgubre e inquieto.
Se você leu até aqui, é porque decidiu continuar. Pergaminhos espalhados em meio a poeira, restos humanos já sem carne e inscritos profanos nas paredes. Sejam bem-vindos ! "

RF

Manifesto


Recentemente vem sendo divulgada uma propaganda, cuja analise vem a seguir. Um lugarejo onde todas as pessoas são iguais, vestem-se igual, tem o mesmo corte de cabelo, se portam de modo igual. Esse é o cenário.
Uma das moças, cansada da “mesmice” acentuada, busca em um antigo prédio o Batom, que a torna “diferente, única e especial”, como podemos observar pela sua expressão facial e corporal. Assina: Acredite na beleza! Isso após um breve discurso distorcido da reflexão do senso-comum.
A mensagem!? Compre os produtos da referida marca e assim você será elevada ao “status-superior”. Logo, as habilidades cognitivas (o cérebro) ficam superficializadas na efêmera aparência.
Objetivo: nivelar o publico alvo (mulheres) a meros manequins.
Diante dessa publicidade desleal, que é apenas um reflexo da atual tendência , eu humildemente proponho: ao invés do Batom, leia um livro! Ele pode até enrugar com o tempo como acontecerá com sua boca * estou apontando para você*, mas as impressões deixadas hão de ser muito mais profundas.

Não acredite na beleza, ela é traiçoeira!
RF